domingo, 20 de fevereiro de 2011

Discurso para a formatura da Turma Arquitetos 2011 - UFPA

Alguns meses atrás, ao visitar uma obra que havia projetado, fui recebido por uma simpática senhora com a seguinte frase:

- Chegou o engenheiro!

Com toda a educação, prontamente respondi:

- Não sou engenheiro, senhora, sou arquiteto.

Ela então continuou:

- Como assim, se é o senhor quem resolve as coisas da obra por aqui. Arquiteto não faz isso! Arquiteto, para mim, é só para enfeitar a construção, e quando ela já está “de pé”.

Apesar de saber que não era a ocasião apropriada, tentei explicar que, no Brasil de hoje, de modo geral, o arquiteto é responsável pela concepção geral da obra em todas as suas dimensões, não apenas estéticas, mas, funcionais e construtivas, também. Ao engenheiro, dependendo de sua especialização, cabe, entre outras coisas, o detalhamento de aspectos estruturais e sistemas de instalações, além da responsabilidade pela execução da construção.

Até ali, parecendo estar desconfiada do que eu dizia, minha interlocutora ouviu, mas quando concluí, dizendo que, em alguns casos, havia atribuições comuns aos dois profissionais, ela me desejou um bom dia e tomou seu rumo.

Mesmo contrariado com aquela situação, não fiquei surpreso com a opinião da simpática senhora. É fato que, atualmente, em nosso país, e particularmente em Belém, inúmeras pessoas ainda não possuem a perfeita consciência do que é o trabalho do arquiteto. É bastante comum que a ele se creditem apenas parte de seus encargos profissionais, atribuindo-lhe, em relação ao engenheiro, papel secundário na concepção e na execução de uma obra.

A falta de nitidez que, presentemente, caracteriza o entendimento dos ofícios do arquiteto e do engenheiro, tanto em suas competências quanto em suas fronteiras, possui razões que remontam à antiguidade. Já nos registros do primeiro arquiteto e do primeiro engenheiro consagrados pela história há sobreposição, pois ambos estão personalizados no egípcio Imhotep, que viveu no século XXVII A.C. As responsabilidades pela concepção e pela execução das obras, naquele tempo, cabiam ao mesmo profissional. Essa situação perdurou até a Idade Média quando, por ocasião da construção da cúpula da catedral de Florença, entre 1420 e 1434, a qualidade e o detalhamento do projeto de Filippo Brunelleschi, possibilitaram que a edificação do famoso domo não estivesse de forma restrita nas mãos daquele que o concebeu. Desde então, especializaram-se as tarefas de planejar, projetar espaços, e construí-los, tal como atualmente entendemos.

Não obstante o fato de trilharem, há mais de 500 anos, caminhos próprios, as profissões do arquiteto e do engenheiro, por conta de suas raízes comuns, continuam tratadas sob prismas semelhantes. No Brasil, até pouco tempo, ambos os ofícios eram regulamentados e fiscalizados pelo mesmo conselho.

Mas essa equidade, em minha opinião, não se verifica no dia-a-dia do mercado de trabalho. O diálogo mencionado por mim há pouco, revela que a profissão do arquiteto, aqui, ainda não está, por exemplo, tão bem consolidada quanto à do engenheiro. É bem verdade que as escolas de engenharia, no Brasil, precederam as de Arquitetura. O Instituto Militar de Engenharia, pioneiro em sua área, possui suas origens em 1792, ao passo que a Escola de Arquitetura da UFMG, primeira escola de Arquitetura desvinculada das politécnicas e das belas-artes, apenas surgiu em 1930. No Pará, a Escola de Engenharia foi fundada em 1931 enquanto que a nossa Escola de Arquitetura abriu suas portas em 1964.

Relativamente jovens, portanto, no mercado de trabalho brasileiro, é natural que nós, arquitetos, enquanto categoria profissional, ainda estejamos em processo de amadurecimento e em busca por melhor reconhecimento da sociedade. Nossas lutas tem sido não apenas para conseguirmos viver da profissão, mas, sobretudo, para firmar nossa posição na construção do mundo.
Uma das mais importantes conquistas dessa trajetória foi a recente criação de nosso conselho profissional próprio. No dia 31 de dezembro de 2010 foi sancionada a lei 12.378/2010 que institui o Conselho de Arquitetos e Urbanistas, o CAU. Após a transição que ora se inicia, não mais seremos ligados nem ao Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, o CONFEA e nem aos seus regionais CREAs, os quais, como já mencionei, até então cuidavam conjuntamente das questões legais e normativas referentes à atuação de engenheiros e arquitetos.

Em menos de um ano, estaremos vinculados apenas ao CAU, essa instituição idealizada há quase 50 anos que agora finalmente chega para tratar exclusivamente da profissão do arquiteto, para observar suas especificidades e conduzir, com liberdade, os destinos de nossa categoria.

Nossas vidas profissionais, desse momento em diante, nascerão e crescerão sob regulamentação independente, a qual nos permitirá a trilha de caminhos mais distintos, que possam ser mais bem percebidos e compreendidos pela sociedade, condições essenciais para suas valorizações e respeito.

Desejo a vocês, novos colegas, que o alvissareiro futuro prenunciado pela chegada do CAU os ofereça grandes oportunidades de trabalho, e que tenham muito sucesso em suas vidas profissionais.
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JMCB - fevereiro de 2011