domingo, 13 de dezembro de 2009

Discurso para a formatura da Turma Arquitetos 2009 - UFPA

No final do ano passado, Tayana, oradora desta turma, solicitou-me um pequeno texto, um pensamento que pudesse fazer parte do convite de formatura. O texto deveria ser sucinto e, de acordo com o que ela e eu combinamos, falar de algo como, por exemplo, a importância da arquitetura.

Inicialmente, tive a intenção de expressar uma idéia própria, fundamentada na minha experiência como arquiteto e docente. Mas confesso que me faltou poder de síntese para, com poucas palavras, escrever um pensamento conciso sobre essa coisa tão vasta e complexa.

Diante das minhas limitações para escrever o tal texto, fui aos livros, às revistas, à internet, à procura das minhas referências, minhas lições, meus exemplos.

Revi e vi, nessa busca, materiais sobre a arquitetura e seus mais variados aspectos. Detive-me, naturalmente, naqueles que mais me seduzem.

Fiz anotações sobre a arquitetura como arte, que sensibiliza aqueles que a contemplam ou utilizam.

Pesquisei sobre arquitetura como expressão da tecnologia, que manifesta o saber fazer de um povo.

Guardei apontamentos sobre a arquitetura como enunciado de idéias, que materializa e perpetua pensamentos.

Rascunhei sobre a arquitetura como instrumento de transformação do mundo, capaz, por que não, de influenciar o comportamento humano.

Caso discorresse sobre tanta coisa, entretanto, o texto ficaria enorme e não caberia no convite, pois, como vimos, a arquitetura trata de domínios muito vastos, muito abrangentes, muito plurais.

O arquiteto convive, desde seu curso de graduação, com matérias das mais variadas vertentes do conhecimento. Além daquelas específicas, estudam-se, de forma aplicada, matemática, física, informática, economia, direito, psicologia, sociologia e filosofia, dentre outras. Em alguns dos livros adotados, de tão bem escritos, aprende-se, ainda, literatura.

Há universidades em que o curso pertence à área de ciências humanas, e em outras – como a nossa – está ligado às ciências exatas.

Ao estudante de arquitetura é oferecida a oportunidade de adquirir, juntamente com os conhecimentos específicos e universais, tanto de nossa área quanto de outras, habilidades como capacidade de decisão, técnicas de expressão, raciocínio matemático e compreensão filosófica, por exemplo. Além disso, treina-se para que seus exercícios se façam com ponderação e sensibilidade.

Esses conhecimentos e habilidades, caracteristicamente universais, são também inerentes a outras atividades do homem. Potencialmente, portanto, havendo estudado tantas coisas, o arquiteto possui grande e diversa capacidade cognitiva e produtiva.

A História ratifica essa afirmação, trazendo inúmeros exemplos de arquitetos, cujas atuações não se restringem os limites do específico e tradicional ofício de elaborar projetos.
  • O primeiro arquiteto que a História registra, o egípcio Imhotep, que viveu no sec. 27 ac, era, também, médico;
Acompanhando a cronologia, com alguns saltos podemos seguir enumerando...
  • Leonardo da Vinci (1452-1519), gênio maior do Renascimento, era pintor, escultor, engenheiro, matemático, fisiólogo, químico, geólogo, botânico, cartógrafo, mecânico, físico, escritor, poeta, músico, ... e arquiteto;
  • Michelangelo (1475-1564), outro fabuloso homem renascentista, era pintor, escultor, poeta, ...e arquiteto;
  • Antônio Francisco da Costa Lisboa, o ALEIJADINHO (1730-1814), mestre do barroco mineiro, foi escultor e também arquiteto;
  • Thommas Jefferson (1743-1826), terceiro presidente dos EUA era filósofo e arquiteto;
  • Ainda no campo político, muitos governantes estaduais e municipais, como Francisco Prestes Maia (SP), Jaime Lerner (PR), Luiz Paulo Conde (RJ), Edmilson Rodrigues ex-prefeito de Belém, e nossa atual governadora Ana Júlia Carepa, graduaram-se em arquitetura;
  • James Stewart (1908-1997), famoso ator dos filmes de Alfred Hitchcock, era arquiteto;
  • Fernando Meirelles, premiado diretor de cinema é arquiteto;
  • Luiz Braga, Leila Jinkings, Nelson Kon, fotógrafos de renome são arquitetos;
  • Chico Caruso, reconhecido cartunista, é arquiteto;
  • Tonico Ferreira, jornalista da Rede Globo, é arquiteto;
  • No mundo da música temos Fausto Nilo, Billy Blanco, Falcão, todos arquitetos. Isso para não citar aqueles que estudaram arquitetura, mas não concluíram o curso, como alguns integrantes dos Engenheiros do Hawai, Guilherme Arantes, Raimundo Fagner, Herbert Vianna, Chico Buarque, Tom Jobim, e até parte da banda de rock inglesa Pink Floyd;
  • Ainda citando os ilustres estudantes, o nosso grande poeta e crítico literário Manuel Bandeira (1886-1968) iniciou o curso de arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo, tendo que abandoná-lo, logo nos primeiros períodos, por problemas de saúde.
A exemplificada atividade extramuros de tantos arquitetos não significa, entretanto, que apenas suas graduações os capacitaram a atuar em outros campos. Essa extrapolação de limites deve ser entendida, penso eu, como uma decorrência de interesses pessoais pelos inúmeros domínios do conhecimento que o estudo da arquitetura obrigatoriamente aborda. E é aí que reside, em minha opinião, a principal riqueza da arquitetura como campo disciplinar. Mais importante do que cada aspecto de que trata, é o fato de tratar de tantos aspectos.

Voltando, então, ao problema do texto do convite, resolvi sugerir à Tayana um pensamento que, mais curto, expressasse essa abrangência, revelasse o patrimônio intelectual que constitui o saber da arquitetura. Uma idéia, enfim, que manifestasse a valiosa bagagem cultural à disposição arquiteto para o trato do mundo.

Esse pensamento, aceito generosamente pela turma para o convite, me foi emprestado pelo arquiteto Jorge Antonio Magalhães Moura, meu amigo-irmão de infância, a quem chamo, com carinho, de “grande filósofo contemporâneo”. O Jorge, com saber e sabedoria, sintetiza, em um enunciado tão curto quanto preciso e profundo, a essência transdisciplinar da arquitetura. Ele diz que “Arquitetura é mais que profissão. Arquitetura é formação.”

O ciclo, colandos, que vocês ora concluem, a graduação, lançou as bases dessa formação. Construiu a estrutura para o contínuo enriquecimento dos conhecimentos e habilidades que, ao longo da vida, constituirão suas competências.

Desejo a vocês, meus novos colegas, uma boa sorte, seja na clássica atividade de fazer projetos ou em qualquer outra que a formação de arquiteto lhes possibilitar. Espero, também, que consigam, cada vez mais, solidificar esse nascente patrimônio intelectual, e que o apliquem, sempre para o bem, com paixão e dignidade.

JMCB - março de 2009